Juiz Marcos Fava fala sobre o ideal de execução trabalhista

— Foto: ASCOM8

 

Entre tantos questionamentos e pontos de discussão colocados aos magistrados durante a III Semana Institucional, um que mereceu atenção especial foi a Execução. Para isso, na tarde da terça-feira, o juiz do trabalho da 2ª Região, Marcos Neves Fava, foi convidado a ministrar a palestra “A Execução que Queremos”. Mestre e doutor em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da USP; e membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual, ele estimulou e instigou os juízes com suas reflexões.

A juíza Flávia Kuroda, titular da 6ª Vara do Trabalho de Macapá, elogiou a palestra e destacou um dos pontos da explanação que reforça o papel do magistrado como agente de promoção da efetividade da Justiça. "O Marcos Fava é um grande jurista e o que ele ressaltou bastante foi que, ao cominar multas, por exemplo, o juiz deve fixar valores que realmente incomodem o executado, pra que ele imediatamente cumpra a decisão".

Abaixo, acompanhe uma entrevista com o magistrado:

Excelência, o tema da sua palestra é “A Execução que Queremos”, que execução é essa?

A execução que nós queremos, de verdade, é que não tenha execução.  Na minha opinião, o ideal seria que se chegasse a um patamar civilizatório em que a parte, exercendo todo o direito de defesa, chega a um momento do processo que o Judiciário diz: a dívida é essa, existe e deve ser paga; então, o ideal seria que a parte obrigada fosse e pagasse. No entanto, está muito distante de acontecer este ideal.

Então, eu penso que a execução que nós queremos deva ser uma execução breve e que deixe o peso do tempo do processo incomodar o devedor. Hoje, no sistema e na jurisprudência que a gente tem, o tempo do processo aterroriza o credor e, quem tem razão, tem medo da justiça, pois a justiça demora, e tem que ser o contrário. Quem tem razão pode ter confiança na justiça, e quem não tem razão tem que se apressar em pagar para que a dívida não fique cada vez maior e pior de ser paga. Então, a execução que nós queremos, eu imagino, seja uma execução breve, uma execução muito rápida, para que todo o tempo de demora fique sobre as costas do devedor e não sobre as costas do credor.

Ao longo da palestra, como o senhor vai desenvolver o tema para que essa execução seja mais breve?

Eu pretendo refletir sobre algumas ferramentas que o Novo Código de Processo Civil traz e que ajudam nessa celeridade. Sobretudo uma modificação importante que houve num velho princípio da execução civil que era o seguinte, no art. 620 do Código de hoje diz que: A execução deve se processar pela forma menos gravosa pelo devedor. Essa regra continua no Código novo, mas com um ótimo parágrafo único que diz assim: Quando o devedor arguir que não está sendo processado pela forma menos gravosa, ele tem que demonstrar ao juiz uma forma menos gravosa e, ao mesmo tempo, mais eficaz. Se ele não conseguir mostrar para o juiz que tem outro jeito mais eficaz de ser executado, ele continua pela forma anterior. Penso que ferramentas como essa do Código novo podem ser aplicadas ao Processo do Trabalho e trariam maior celeridade para a execução trabalhista.

Que outras ferramentas o senhor pretende apresentar para os magistrados?

O Código inovou um pouco na impenhorabilidade. Ele permite agora penhora de salários e rendimentos, a partir de um certo valor e, para dívidas alimentares, a partir de todos os valores, não tem nenhum limite inicial. E positivou algo que a gente tinha desenvolvido pelos tribunais, que é o protesto de sentença.  O Código então legaliza o protesto de sentença. Quem não paga uma sentença transitada em julgado pode ter seu “nome sujo”, como se diz no comércio, e não compra mais a prazo, não tem mais empréstimo bancário, tem dificuldades de liquidez. Isso é uma ferramenta muito interessante. O capitalista não pensa o que é moral ou o que é correto, ele pensa no que dá lucro e o que dá prejuízo. Se ele perceber que uma dívida trabalhista não paga pode render o mesmo prejuízo de uma dívida comercial não paga, ele vai priorizar o pagamento da dívida trabalhista. Hoje não é assim; se ele tiver ao mesmo tempo uma sentença trabalhista e uma duplicata, ele vai pagar a duplicata, se ele só tiver um dinheiro, porque a duplicata não paga vira protesto e ele passa a ter dificuldade de comerciar, a sentença não paga vira nada.

Então, agora, com a lei nova, penso que a gente possa retomar a prática de convênios com cartórios, Serasa, SPC, para que esse protesto seja feito eletronicamente. A partir da Vara, o juiz autoriza, e o devedor corre então pra pagar. Novamente a ideia de que quem tem que ficar aflito com o processo não é o credor, é o devedor.

Então, o juiz do trabalho, principalmente em primeira instância, tem um papel fundamental nessa execução que queremos.

Fundamental, acho que até é um problema mais amplo que isto. A jurisdição brasileira passa por uma crise de importância do trabalho de primeira instância.

Hoje, em quase todos os ramos da Justiça, o primeiro grau, e, muitas vezes, o segundo, não têm nenhuma importância. As partes só passam por ali porque não podem passar direto para o terceiro grau ou o Supremo Tribunal Federal, e isso é de todo desaconselhado, porque o terceiro grau e o STF não dão conta do volume processual que chegaria a eles, se fossem os únicos alvos. Então, esses filtros que a gente faz são muito bons para a saúde da Justiça. Só que para esse filtro funcionar, a autoridade de juiz de primeiro grau e segundo grau tem que ser recuperada e retomada, então faz parte da evolução da execução também tratarem as decisões como decisões eficazes.

Eu imagino que responder a pergunta “que execução nós queremos?” é responder a pergunta “que Judiciário nós queremos?”. Porque o prestígio da Justiça enquanto Poder depende de sua efetividade, se não é efetivo, não adianta chamar de Poder, usar brasão, tirar fotografia, usar carro preto, usar toga; porque isso não chega a lugar nenhum, é a efetividade que nos legitima a continuar na República.