No próximo dia 16 de maio, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) realizará uma Audiência Pública para debater com diversos setores da sociedade, a definição do divisor a ser utilizado para o cálculo das horas extraordinárias aplicáveis aos bancários. Dividida em cinco painéis, na ocasião serão ouvidos representantes da Federação Nacional dos Bancos, de Sindicatos dos Bancários de diversos estados, da Confederação Nacional das Instituições Financeiras, de Instituições Bancárias e representantes dos Tribunais Regionais do Trabalho, entre os quais, o Assessor Jurídico-Administrativo do TRT8, Igor de Oliveira Zwicker.
O objetivo da audiência é obter informações úteis à formação do precedente judicial que será aplicado em todas as causas referentes ao tema no País, conforme previsto na Lei nº 13.015/2014. Autor do livro “Súmulas, orientações jurisprudenciais e precedentes normativos do TST”, Igor Zwicker é mestrando em Direitos Fundamentais, e participou em 2012, na II Semana do TST, dos debates que resultaram no cancelamento da Súmula nº 343 e a alteração das Súmulas nº 124 e 431, todas referentes a divisores. Leia a entrevista com ele, na qual fala sobre o tema da Audiência Pública e seu posicionamento.
Ascom8: Primeiramente, como recebeu sua escolha para participar da audiência, já que será o único representante da 8ª Região no debate?
Já havia participado da II Semana do TST, em 2012, oportunidade em que contribuí com um estudo individual, recomendado pelo ministro João Oreste Dalazen, que motivou o cancelamento da Súmula n. 343 e a alteração das Súmulas n. 124 e 431, todas, coincidentemente, sobre divisores.Sempre me senti estimulado por nosso Regional a estudar e a buscar ir além do trivial. Isto é fato: aprendi a admirar a carreira da magistratura do trabalho vendo a atuação dos juízes da 8ª Região e me sinto imensamente feliz em trabalhar aqui. Então, poder “representar” a 8ª Região é motivo de muita alegria.Volto a dizer, nenhum de nós é insubstituível, em especial no serviço público, que contém, entre seus princípios basilares, o da impessoalidade. Em que pese o bom trabalho que podemos apresentar, existem muitos e muitos que têm força de trabalho e capacidade suficientes para exercer qualquer mister. Então, mais uma vez, louvo a nosso Senhor Jesus Cristo, que nos guia pelas veredas da Justiça, por amor do Seu Nome, e agradeço a todos que, nesses quase dezessete anos de concurso público, depositaram confiança na minha pessoa e na minha força de trabalho.
Ascom8: Sobre o tema que será debatido na audiência pública, qual seu posicionamento que será exposto na ocasião?
O questionamento do TST, ponto de partida para as exposições no dia 16 de maio, é o seguinte: “A definição do sábado como dia de repouso semanal remunerado, por norma coletiva da categoria dos bancários, mesmo que apenas para fins de reflexos das horas extras habituais, acarreta alteração no divisor utilizado para cálculo das horas extraordinárias, nos termos da Súmula n. 124 deste Tribunal?”
Na minha visão, são duas discussões paralelas.Inicialmente, lembro da minha participação na II Semana do TST. O Plenário acolheu meu argumento de antinomia entre a Súmula n. 343 e a Súmula n. 431, tanto que cancelou aquela primeira. A questão era que o critério utilizado para chegar ao divisor, em uma súmula, era exatamente o oposto do critério da outra. Mas o problema persiste, pois o TST tem falhado em definir, uniformemente, critérios de cálculos a partir da interpretação do art. 64 da Consolidação das Leis do Trabalho.
A título de exemplo: quantas semanas temos no mês? 4,28 semanas? 4,34 semanas? 5 semanas? Cada Regional tem o seu critério próprio.Pois bem. Na minha visão, os divisores são calculados segundo a jornada de trabalho do empregado, que é considerada dia. Tomado esse valor, multiplica-se pelo número de dias padrão do mês civil, que é 30. Não se leva em consideração “dias não trabalhados”.
Não foi o que entendeu o TST, nesse ponto, naquela II Semana. Tomou-se o caminho mais simples e se utilizou o critério (ficto) de 5 semanas/mês, o que impacta sobremaneira no caso dos bancários, porque, para esta categoria, o entendimento já pacificado – entendimento que discordo, mas não vem ao caso, neste momento – de que o sábado do bancário é “dia útil não trabalhado”, na forma da Súmula n. 113 do TST.
O que entendeu o TST naquela II Semana:o divisor aplicável para o cálculo das horas extras do bancário, se houver ajuste individual expresso ou coletivo no sentido de “considerar o sábado como dia de descanso remunerado” (ou seja, perfazendo cinco dias úteis na semana, para o empregado bancário), será o seguinte:
a) 150, para os empregados submetidos à jornada de seis horas, prevista na cabeça do art. 224 da CLT: 5 dias úteis/semana x 6h/dia x critério de 5 semanas = 5 x 6 x 5 = 150.
b) 200, para os empregados submetidos à jornada de oito horas, nos termos do § 2º do art. 224 da CLT: 5 dias úteis/semana x 8h/dia x critério de 5 semanas = 5 x 8 x 5 = 200.
Se não houver ajuste individual expresso ou coletivo no sentido de considerar o sábado como dia de descanso remunerado (ou seja, perfazendo seis dias úteis na semana, para o empregado bancário, sendo o sábado um “dia útil não trabalhado”), o divisor será o seguinte:
a) 180, para os empregados submetidos à jornada de seis horas prevista na cabeça do art. 224 da CLT: 6 dias úteis/semana x 6h/dia x critério de 5 semanas = 6 x 6 x 5 = 180.
b) 220, para os empregados submetidos à jornada de oito horas, nos termos do § 2º do art. 224 da CLT: 6 dias úteis/semana x 8h/dia x critério de 5 semanas = 6 x 8 x 5 = 240 (daí fica limitado a 220 por força do art. 7º, XIII, da Constituição Federal).
Exatamente porque o TST não utilizou o critério de cálculo dos divisores segundo a jornada de trabalho do empregado, que é considerada dia – e se limitou a eleger o número (ficto) de cinco semanas no mês, levando em consideração os dias úteis da semana, para efeitos de cálculo do divisor –, houve o problema que, inevitavelmente, um dia aconteceria aos bancários, em razão do “dia útil não trabalhado”, e isso se dá por um fato corriqueiro da vida humana: as normas coletivas de trabalho não têm lá a melhor redação.
Assim, nem sempre fica clara a caracterização, nas convenções coletivas de trabalho, do que os atores coletivos querem imprimir ao sábado: apenas retirar-lhe a feição de “dia útil não trabalhado”? De dar-lhe caráter de “repouso semanal remunerado”? Considerar o divisor maior (180 ou 220) ou menor (150 ou 200) para fins de cálculo das horas extraordinárias? E as repercussões das horas extraordinárias nas demais parcelas de natureza salarial?
Ou seja, cabe, nesses casos, “interpretação restritiva”, na forma do art. 114 do Código Civil? Ou o que deve prevalecer é a ideia da “consequência lógica”? Em outras palavras, se a norma coletiva de trabalho tão somente transmuda a natureza jurídica do sábado, de “dia útil não trabalhado” para “dia não útil” ou para “repouso semanal remunerado”, mas silencia quanto ao divisor, cabe o entendimento de aplicação do divisor mais favorável ao trabalhador (e tudo o que é consequência disso, como valor das horas extras, repercussões etc.)?
Eu me posicionarei pelo que entendo ser o cálculo correto dos divisores, que não é o critério “cinco”, e isso, por si só, já fulminaria a discussão. Entretanto, sucessivamente, como terei que trazer um argumento que busque solucionar a controvérsia que foi posta, em sua inteireza, tendo a sair pela segunda corrente, da “consequência lógica”, apelando até para a questão das “máximas de experiência”, as quais, segundo Mauro Schiavi, “são conhecimentos adquiridos pelo juiz, pela sua cultura e pelo seu exercício funcional que o fazem presumir a existência de determinadas situações ou coisas”.
Sabemos que as normas coletivas de trabalho não têm mesmo a melhor redação, de modo que exigir uma explicitação “ao extremo”, quando os atores sociais já identificaram o sábado como “dia não útil” ou como “repouso semanal remunerado”, seria se desconectar dos fatos sociais, mesmo considerando que os sindicatos de bancários são fortes. São fortes, mas vejam: se as redações fossem “perfeitas”, não existiria discussão, pois a Súmula n. 124 do TST já dá o norte.Bastaria uma explicitação do divisor a ser adotado, conforme cálculos já bem explicados na própria Súmula n. 124.Entretanto, ainda estou amadurecendo esta última ideia, porque os argumentos da primeira corrente – e até pela própria questão de que os negócios jurídicos benéficos e a renúncia se interpretam restritivamente – são igualmente consistentes.
3) Na sua visão, qual a importância deste amplo debate sobre o tema, com representantes de vários setores, para a formação de um entendimento que será adotado pela Justiça do Trabalho em todo o Brasil?
A partir da Emenda Constitucional n. 45/2004, o STF passou a julgar os recursos extraordinários a partir do filtro da repercussão geral, regulamentado pela Lei n. 11.418/2006. A Lei n. 11.672/2008 acresceu ao CPC de 1973 o rito dos recursos repetitivos no âmbito do STJ. Na Justiça do Trabalho, a Lei n. 13.015/2014 fez surgir, para o processo do trabalho, o rito dos recursos repetitivos.
A partir dessa realidade, verifica-se a “objetivização” dos recursos subjetivos. É certo que tais recursos têm “dupla função”, pois a função subjetiva ainda persiste, os julgamentos ainda terão o condão de afetar direitos subjetivos, por certo, mas essa função, cada vez mais, torna-se periférica, indireta, refratária.
A real função das Cortes extraordinárias, aliás, é a de dizer o direito, não julgar fatos e provas, esses últimos impossíveis de revisão na seara extraordinária. Nosso sistema jurídico demonstra cada vez mais a preocupação com a higidez da jurisprudência. O novo CPC traz regramento vinculativo, não discricionário e imperativo aos tribunais, de uniformizarem sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.
E isto não ocorre somente com a jurisdição. No âmbito administrativo, diversas Cortes, como o CNJ, o CSJT e o TCU, podem, em resposta a consultas em tese, proferirem decisões revestidas de caráter normativo geral e que constituam prejulgamento da tese. Nós mesmos, eu e Paulo André, aqui na Assessoria Jurídico-Administrativa, podemos editar súmulas administrativas – as chamadas “manifestações jurídicas referenciais” –, com arrimo na Orientação Normativa n. 55/2014 da AGU.
Assim, e considerando que nosso sistema jurídico é dinâmico, cujo fundamento último de validade é o próprio fato social, audiências públicas, como a que ocorrerá no dia 16 de maio, voltadas a ouvir a sociedade civil, a ouvir diversos posicionamentos sobre uma mesma questão fática, a ouvir diversas experiências de vida e profissionais, podem, realmente, contribuir para a melhor e mais legítima formação do convencimento dos magistrados – legitimidade social, inclusive. Já dizia Carlos Drummond de Andrade, as leis não bastam, os lírios não nascem das leis. E como bem coloca o juiz Océlio de Jesús Carneiro de Morais, da nossa Oitava Região, as súmulas, como normas consuetudinárias que são, não podem ser antissociais.