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Na próxima semana, dia 16 de janeiro, durante a abertura do Ano Judiciário de 2017, a EJUD8 preparou uma programação de palestras sobre o tema Saúde Mental. A primeira delas, "Depressão e Assédio Organizacional no Trabalho”, será ministrada pelo Dr. Bruno Farah Leal, Psicanalista e Psicólogo do TRF2, autor de livros pela LTr. Bruno Leal é Doutor em Teoria Psicanalítica pela UFRJ/Université Denis Diderot/Sorbone. Confira a entrevista:
- No evento, o Sr. ministrará uma palestra sobre "Depressão e Assédio Organizacional no Trabalho". Como trabalhará o tema para o público de magistrados e servidores?
Da mesma forma que aumentam vertiginosamente os quantitativos de afastamento do trabalho por depressão (e, segundo a OMS, a depressão será a maior causa de absenteísmo em 2020, podendo chegar a 20% do quadro em empresas do mundo inteiro), a OIT (Organização Internacional do Trabalho) já afirma que a violência no trabalho tornou-se uma epidemia no mundo todo. Tenho convicção de que não podemos mais tratar de depressão associada à organização do trabalho sem falarmos de violência organizacional. Trabalharei o tema por meio deste link a partir de três casos - que chamarei de "situações assediantes do trabalho"-, que fornecerão a concretude necessária para o público compreender e "se ver" nas situações.
- Qual a importância do assunto para um tribunal como o TRT8? Quais as vantagens de debate do assunto?
Toda e qualquer empresa - pública ou privada - deveria se debruçar sobre o tema do assédio organizacional, e algumas já estão fazendo isso por razões de adoecimento e queda de produtividade. Para os TRTs, este assunto é duplamente pertinente. Pois, além de afetar o Tribunal (como afeta a saúde psíquica dos integrantes de qualquer empresa), o assédio é matéria de pesquisa dos próprios magistrados quando precisam julgar processos desta natureza. Neste sentido, afirmo com alegria que as melhores palestras que ministrei sobre o tema foram em TRTs, onde sempre fui muito bem acolhido, o que me traz muita motivação de estar aí com vocês refletindo sobre o assunto.
- Como o assunto pode afetar as metas de produtividade?
Afeta diretamente. Normalmente, o assédio organizacional tem como finalidade aumentar a produtividade. Mas isso é um paradoxo; é exatamente o contrário o que acontece. A "orientação para resultados" às cegas, sem a compreensão dos outros dispositivos gestionários envolvidos junto à exigência de metas, podendo acrescer uma pressão exagerada ao ambiente de trabalho, produz um saldo sempre negativo. Isso se deve a uma questão simples: violência só gera violência, e nunca será produtiva. São três consequências, sempre negativas, desta ilusão de pressão por aumento por produtividade: 1- Ou o servidor/magistrado introjeta a violência (adoecendo), ou desloca a violência para a própria instituição (cometendo erros), ou projeta a violência para os colegas (propagando o assédio). Muitas vezes, o assédio moral pode ser um efeito do assédio organizacional, uma reação em cascata. Uma reação nefasta à organização.
- O sistema de justiça brasileiro, mais especificamente a Justiça do Trabalho, vem enfrentando um momento delicado devido aos cortes orçamentários significativos. Neste momento, o senhor vê alguma maneira como o público interno seja impactado negativamente?
Não é preciso fazer doutorado em Psicologia para sabermos (e muito bem) que, em momentos em que perdemos tantas conquistas (possibilidade de realizarmos cursos, gratificações, tranquilidade para desenvolvermos um trabalho de qualidade etc.), a violência decorrente do assédio organizacional só faz este estado de coisas se agravar. Mais do que nunca, devemos nos unir para, por meio de uma gestão eminentemente participativa, tentarmos desenhar novos rumos para nossa organização. Quando a própria organização do trabalho "se torna violência" é urgente redesenharmos - juntos, de forma coletiva - novas formas de organização do trabalho. Vou tentar provar esta necessidade "cientificamente" com minha palestra. O Judiciário precisa de um movimento novo de re-apropriação da organização do próprio trabalho, em caminho inverso à organização de cima para baixo e que tem deixado as pessoas atordoadas. Há um livro incrível, "A gestão como doença social", do Psicossociólogo francês Vincent de Gaulejac, que foi meu coorientador informal de Doutorado, que elucida bem este ponto.
- Como as instituições podem se preparar para agir corretamente evitando acontecimentos desta natureza?
Elas precisam rever imediatamente seu receituário gestionário. Não é o sistema de metas o problema em si. Mas o conjunto de dispositivos de gestão. Já parou para pensar que todos os instrumentos de gestão são eminentemente individualizantes? O sistema de metas, o sistema de avaliação de desempenho e a política de motivação da casa (baseada unicamente na aquisição de acréscimo financeiro ao salário/funções comissionadas). Qual o saldo disso? Competição, isolamento e imensa perda do sentimento de pertencimento e de "trabalho em equipe", que, com suas metáforas colaborativas advindas do esporte (líder, equipe, "pertencemos ao mesmo time"), se torna um engodo, um verdadeiro discurso vazio. Com estes dispositivos individualizantes, que só nos separam e nos isolam, não "pertencemos ao mesmo time", mas participamos de uma guerra por lugares onde nem sempre quem ganha são os melhores, mas os mais fortes institucionalmente. O único time a que pertencemos atualmente - magistrados e servidores - é o do "adoecidos". O Judiciário está muito, muito adoecido. Nas perícias de saúde, dificilmente conseguimos recuperar um colega com mais de seis meses de depressão. Isso é muito triste.
As instituições podem se preparar revertendo radicalmente este panorama, e com a máxima urgência! A baixa de produtividade e o absenteísmo gerados pela violência gestionária - que geralmente praticamos sem perceber que praticamos, como mostrarei na palestra - vão fazer, em médio prazo, o Judiciário praticamente parar. A depressão é uma doença da falta de sentido (e não da falta da adaptação) e as empresas só sabem, desde o início do século XX, trabalhar a adaptação do indivíduo à organização (a novas tecnologias, projetos, chefias, setores e, atualmente, competências a serem adquiridas). Mas, a depressão é uma doença da falta de sentido, e sentido só se produz COLETIVAMENTE. Criar projetos "coletivizantes" e participativos é crucial para a reversão deste panorama. Pela primeira vez, introduzirei na palestra exemplos de projetos coletivos que podem servir de antídoto para este cenário.
- O senhor pode falar um pouco sobre o seu livro e o objetivo de sua produção?
O primeiro livro - A depressão no ambiente de trabalho - escrevi sozinho e foi fruto de grupo de pesquisa que realizei entre 2009 e 2014 na UFRJ sobre os novos sintomas emocionais do século XXI, o que me fez compreender muito melhor a sociedade em que vivemos e como ela fomenta a produção de depressão. Criei um curso para gestores entender do assunto no TRF2. Como comecei a escrever sobre depressão e terminei falando em violência, me lancei a um projeto mais ousado: chamei magistrados e profissionais "psis" do Judiciário Federal para escrevermos sobre assédio moral e organizacional no Judiciário. A metodologia multidisciplinar foi totalmente coerente como o que se deve fazer para combater a violência organizacional: um chamado à coletivização, pois o isolamento e a individualização constituem terrenos férteis para práticas de assédio e adoecimento no trabalho. O objetivo foi, portanto lançar a discussão, de forma multidisciplinar, e tentar, por meio de um "efeito dominó" contagiar do Judiciário com o tema. Precisamos de vozes. Desejamos fazer barulho. Vocês nos ajudam? Precisamos perceber que todos nós participamos do assédio organizacional. Diferente do assédio moral, somos as vítimas e os algozes do assédio organizacional. Precisamos criar uma Política Nacional de tratamento do Assédio Organizacional, com projetos coletivos e participativos. Isso minimizaria bastante o afastamento por depressão e casos de assédio moral no Judiciário, muitas vezes efeitos do próprio assédio organizacional.