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A campanha “Abril Verde” continua. Durante todo este mês destacamos o quanto é importante cuidar da segurança e da saúde no trabalho. Segundo dados divulgados pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social, estima-se que, apenas no Brasil, cerca de 700 mil pessoas sofrem acidentes de Trabalho por ano, número que coloca o Brasil no 4º na lista de países com maior número acidentes de trabalho por ano. No ano de 2014, 2.783 trabalhadores morreram devido a acidentes laborais.
Só no ano de 2016 foram abertos, no TRT8, 2.441 processos que envolvem acidentes de trabalho nos estados do Pará e Amapá. Mas os números de acidentes devem ser bem maiores, pois muitos outros casos não chegam até a justiça.
Bônus Demográfico:
Desde 2010, o Brasil passa por uma momento de bônus demográfico, que é o nome que especialistas dão à fase em que temos o máximo possível de uma população trabalhando. Em 2010, o país apresentava um potencial de crescimento de 2,5% ao ano gerado exclusivamente pelo bônus demográfico. De acordo com a revista Exame, "estudos mostram que o bônus demográfico foi responsável por um terço do crescimento dos chamados Tigres Asiáticos entre 1965 e 1990", e estamos em um período que o país tem cerca de dois terços de sua população em idade produtiva, ou seja, mais da metade da população brasileira está apta a trabalhar, o que gera um maior potencial econômico para o país.
Há muitos trabalhadores ativos, formais e informais, mas é preciso conscientizar empregadores e empregados que um ambiente de trabalho seguro contribui, não só para o bem-estar social, mas também para toda a economia do país. Não é somente uma empresa que compromete sua força produtiva quando ocorre um acidente, mas uma família, uma cidade e toda uma sociedade perde quando um trabalhador fica impossibilitado de desempenhar suas atividades, especialmente quando se encontra em seu ápice de idade produtiva.
Para compreender melhor a realidade do acidente do trabalho, conversamos com o magistrado Otávio Bruno Ferreira, juiz do Trabalho substituto da 2ª VT de Abaetetuba, integrante da comissão regional do Programa Trabalho Seguro, sobre a importância da legislação trabalhista para a proteção do trabalhador e campanhas como o Abril Verde:
ASCOM8: As leis trabalhistas brasileiras sobre segurança no trabalho são bem claras e rígidas para proteger o trabalhador. Quais os principais fatores que contribuem para que ocorram tantos acidentes de trabalho no Brasil?
Otávio Ferreira: O ordenamento brasileiro possui diversas normas relativas à segurança no trabalho. A Constituição da República de 1988 prevê expressamente como direito do trabalhador a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (ART. 7º, XXII) e também adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres e perigosas (ART. 7º, XXIII).
No plano infraconstitucional, a CLT possui um capítulo inteiro destinado a tratar da segurança e medicina do trabalho, com normas que versam sobre a responsabilidade do empregador, dos empregados, sobre medidas de prevenção, locais de trabalho, descrição das atividades insalubres e perigosas, além de outras situações. Ainda nesse contexto, há diversas Normas Regulamentares, de observância obrigatória pelas empresas que possuam empregados regidos pela CLT, que visam detalhar e delimitar como devem ser realizadas determinadas atividades a fim de garantir especial proteção à saúde e segurança dos empregados.
Além desse arcabouço, há normas processuais relacionadas ao cumprimento de obrigação de fazer e não fazer (ART. 497 e ss. do CPC) que podem ser utilizadas para obter tutela específica destinada a prevenir a ocorrência de acidentes, seja por meio da paralisação de determinado equipamento que produza risco, seja pela imposição de aquisição de equipamentos de proteção coletiva e individual efetivamente capazes de neutralizar ou mitigar a ocorrência de danos, sem falar na possibilidade de indenização pelos danos sofridos em decorrência de acidentes.
Nesse contexto, considero importantes as normas já existentes, bem como os meios disponíveis para a sua tutela. Contudo, a despeito da existência delas, ainda é frequente a ocorrência de acidentes. Acredito que os acidentes ainda ocorram em face da ausência de adoção de medidas preventivas mais efetivas pelos empregadores, pois não é raro a elaboração de documentos ambientes (PPRA, PCMSO e LTCAT) sem a devida implementação, o que acaba por expor a vida do empregado aos riscos ambientais. Além disso, inexiste uma atividade fiscalizatória efetiva em grande parte do país, em face do número limitado de auditores do trabalho, o que torna possível a continuidade da prática de ilícitos. De outro lado, observa-se também situações nas quais o empregador adotou todas as medidas de segurança, mas o empregado descumpriu obrigação que lhe competia.
É certo que a implementação de todas as medidas de segurança geram custos para o empregador, mas referido custo é ínfimo, se comparado à quantidade de acidentes que ocorrem no meio ambiente laboral em decorrência dos reiterados descumprimentos, que geram custos para todos, empregado, empregador e sociedade, que compartilha dos prejuízos por meio da concessão de benefícios previdenciários. Daí porque o empregador deve envidar todos os esforços possíveis para garantir um meio ambiente de trabalho seguro aos seus empregados. Quando isso não ocorrer, é imprescindível uma forte ação fiscalizatória pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego e a adoção de medidas pelo Ministério Público do Trabalho a fim de evitar maiores danos.
ASCOM8: Quais os desafios de se julgar um processo causado por um acidente de trabalho?
Otávio Ferreira: Assim como todo processo, os processos que envolvem acidente de trabalho envolvem vida. Mas, nesses processos, há algo mais latente. É que, em determinados casos, o trabalhador perdeu a própria vida, ou encontra-se com alguma sequela ou deformidade em decorrência do acidente. Na condução de processos dessa natureza, às vezes com a família do trabalhador falecido, é necessário ter todo o cuidado, além do que ordinariamente se espera, a fim de evitar maiores sofrimentos à família. Recordo de um processo, no qual a mãe do empregado falecido estava em audiência e havia muitas fotos de seu filho, tiradas do momento do acidente que lhe retirou a vida. Coloquei grampos nas páginas onde estavam as fotos para que a mãe não visse novamente o que o filho sofreu, quando alguém folheasse os autos. Além dessa situação em audiência, um dos desafios para julgar um processo dessa natureza é a corrida contra o tempo, em virtude da situação do jurisdicionado. Para resolver tal situação, busca-se implementar uma pauta específica para a apreciação de processos que envolvem tal matéria.
ASCOM8: Sob o seu ponto de vista qual a importância de se fazer campanhas como o Abril Verde para falar sobre a prevenção aos acidentes no meio laboral?
Otávio Ferreira: Como dito acima, o acidente de trabalho gera prejuízos para todos. Assim, a melhor alternativa é a prevenção. Campanhas como o Abril Verde e a própria criação do Programa Trabalho Seguro, em 2011 pelo CSJT, denotam a preocupação da Justiça do Trabalho para a conscientização e prevenção de acidentes.
A Campanha funciona como um alerta para toda a sociedade sobre a quantidade de acidentes e a possibilidade de evitá-los, caso sejam adotadas medidas que garantam a segurança no ambiente de trabalho. Ou seja, é fortalecer uma cultura de prevenção, invertendo a ideia simples de monetizar os riscos e se preocupar apenas com a ocorrência do dano, pois não há indenização ou adicional que pague o valor de uma vida.
Nesse sentido, o aplicativo SimVida, criado pelo TRT da 8ª Região, permite a criação de uma cultura de segurança e um envolvimento direto da sociedade no monitoramento dessas circunstâncias.
Saiba mais sobre o movimento Abril Verde: http://www.abrilverde.com.br/site/