O estabelecimento do nexo causal entre trabalho e adoecimento, continuou no centro dos debates no segundo dia do Ciclo de Palestras da Escola Judicial do TRT8. Mediador dos trabalhos e um dos expositores, o médico do Trabalho e Diretor de Relações internacionais da Associação Nacional de Medicina do Trabalho ANAMT, René Mendes, afirmou que o Ciclo de Palestras teve grande importância para todos os atores sociais, na medida que buscou a harmonização do conceito do nexo entre trabalho e adoecimento. “Houve evolução relativamente recente na área médica de saúde, onde nem todos os profissionais estão informados. Acredito que, tanto para a Justiça do Trabalho como para outros operadores do Direito, é importante que possam pelo menos saber quais são os paradigmas que norteiam a questão do nexo. A ideia é de que o juiz possa formular com mais propriedade o que ele quer do perito, mas que o perito também entenda que ele pode contribuir com essa evolução conceitual, seja sugerindo ao juiz ou assessorando a própria formulação de quesitos e, sobretudo, interpretando de forma harmônica o que está sendo pedido.”
O professor René lembra ainda que, com a Constituição de 1988, a Lei da Saúde de 1990 e a Lei da Previdência de 1991, ocorreram muitas mudanças no entendimento da questão do trabalhador no âmbito da saúde. Como no caso da edição das listas de doenças no trabalho, na qual ele mesmo participou da elaboração, definidas em 1999 tanto pelo Ministério da Saúde como da Previdência, e que reconhecem mais de 200 doenças relacionadas ao trabalho.
O Dr. Duílio Antero de Camargo, que falou mais especificamente de adoecimentos relacionados a transtornos mentais e o trabalho, relatou que é fundamental para avaliação do nexo entre trabalho e doença a utilização de protocolos, para dar bases mais seguras à análise. “Para que seja melhor entendida e compreendida por todos, tanto quem irá fazer a prevenção como quem julgará. A primeira abordagem de uma pessoa com problema emocional/mental deve ser feita de uma maneira completa, tanto no prognóstico da doença quanto o da incapacidade. Isso tudo tem que estar bem definido no prontuário, visto que vai servir de base para, futuramente, saber tanto a evolução clínica, quanto a evolução da incapacidade laboral", explicou.
Por fim, o médico Hudson de Araújo Couto apresentou ferramentas e aspectos periciais entre doenças osteomusculares e trabalho. Hudson destacou a necessidade da produção de laudos com base mais científica. "Temos que melhorar muito esse tipo de abordagem. É muito fácil falar 'há risco', e é muito difícil falar 'não há risco'".
Para traçar este nexo, Hudson destacou três pontos. O primeiro deles é a necessidade de se entender quais são os quatro fatores que são necessários para caracterizar o trabalho como origem desses transtornos (intensidade da exigência, a duração da exigência no ciclo do trabalho, a frequência da exigência e a taxa de ocupação, ou seja, quantas horas do dia a pessoa está envolvida nisso).
O segundo ponto é a necessidade de se entender que não é só dizer 'há risco' ou 'não há risco', é preciso haver uma gradação , na qual existem as ATN (Ações Técnicas Normais - aquelas que são feitas por 90% dos homens e mulheres, de maneira tranquila); as ações IMP (Improváveis, mas Possíveis) e o chamado de DDF (Desconforto, Dificuldade e Fadiga, quando a pessoa se cansa, mas não vai adoecer por causa daquilo).
O terceiro ponto é a utilização de ferramentas científicas da ergonomia pra avaliar quais são essas exigências, das quais o professor citou as Tabelas da Liberty Mutual ( informação para as atividades de empurrar, puxar, carregar, levantar e depositar); o modelo biomecânico tridimensional da Universidade de Michigan ( estimativa da força de compressão dos discos da coluna vertebral); a equação do Niosh (avalia a quantidade de peso recomendado e conforme o limite do peso recomendado, comparamos com o peso real, tentando ter uma ideia de arrisco ou não arrisco); e dois checklists interessantes, o de Moore e Garg (para membros superiores) e o de Thomas Armstrong (ACGIH - para membros superiores) - ambos exclusivamente para atividades em que o indivíduo só faz aquilo durante a jornada. "A grande ferramenta que nós temos para poder fazer a avaliação, quando você consegue desenhar o dia a dia da pessoa, saber exatamente o que ela faz e quando', é o chamado Índice de TOR TOM que seria a comparação da TOM (Taxa de Ocupação Máxima), que a pessoa deveria ter, segundo 17 fatores que podem existir no ambiente de trabalho, com a TOR (Taxa de Ocupação Real), que é a porcentagem da jornada que o indivíduo efetivamente está envolvido naquela atividade. Então, o TOR TON é uma grande ferramenta que permite esse tipo de avaliação com detalhes, inclusive em tarefas de variações, possível quando se consegue desenha o dia da pessoa, chamamos isso de tarefas parametrizáveis", explica o especialista em Medicina do Trabalho.
A quarta e a quinta categorias são denominadas de risco e alto risco, "é uma definição difícil, que às vezes a gente faz com base em epidemologia ou qual o prazo que elas adoecem em função daquela condição de trabalho". Para o Dr. Hudson Couto, o grande problema acontece quando o trabalho do indivíduo não é parametrizável. “Quando você não tem nada disso, o desenho do dia da pessoa e nenhuma situação de exigência absurda muito intensa, aí utilizamos o critério epidemiológico, que nesse caso é chamado risco relativo, onde comparamos o adoecimento por determinado transtorno osteomuscular naquela categoria profissional de trabalhadores a outros quaisquer, verificamos se há o risco relativo ou não", explica.
Avaliação
Com um público eclético, repleto de magistrados, servidores, advogados, médicos, engenheiros e peritos do trabalho, os debates ocorridos durante o evento foram outro ponto forte do curso. Sônia Maria Auad, Médica do Trabalho e Perita da Secretaria de Administração do Estado do Pará, fez uma boa avaliação do primeiro bloco do ciclo de palestras. "As informações são excelentes, os profissionais são conhecidos da nossa área especializada em Medicina do Trabalho e Especialidade em Perícia, e não podia ser melhor. As abordagens dos assuntos são as nossas grandes dificuldades, principalmente essa relacionada a doença mental. Fantástico, muito bom mesmo".
Para o Juiz do Trabalho Francisco Milton Araújo Júnior, o nível dos professores e a forma de interação multidisciplinar, passando pelos ramos da medicina, direito, psicologia e ergonomia foram muito enriquecedores. "Para o magistrado, será um diferencial. Cada vez mais os processos exigem esse conhecimento multidisciplinar, então, o que foi adquirido aqui vai abrindo janelas, portas de questionamentos, de desenvolvimento jurídico que possa gerar decisões mais seguras, um melhor contato com a prova, de forma mais eficiente, poder conversar com o perito, dialogar com assistentes periciais, ter mais segurança no diálogo e na decisão'.
Para o Desembargador Walter Paro, gestor regional do Programa Trabalho Seguro, o resultado deste primeiro momento foi muito positivo. "Os palestrantes desse primeiro ciclo são palestrantes que já inclusive proferiram palestras no TST e no encontro internacional. Então, estamos trazendo para a região Norte, para o nosso Tribunal especificamente, os melhores da área. A nossa ideia é fazer todo um trabalho cultural, trazer os profissionais da área, os médicos e peritos, e, pelo que nós estamos notando aqui, pelo número de participantes, esse objetivo está sendo alcançado", explica.
Material das palestras e a resenha
Todo o material utilizado nas palestras está disponível no link do programa Trabalho Seguro, postado em uma banner no lado direito do Portal do TRT8 (endereço abaixo). Cada módulo do ciclo de palestras dará direito a um certificado de participação, condicionado a 75% de frequência e entrega de uma resenha técnica a ser preenchida em formulário eletrônico também disponível no banner do Trabalho Seguro, no Portal do TRT8 . "O conteúdo das palestras já está sendo disponibilizado, não só para os magistrados, mas também para toda comunidade e os próprios médicos do trabalho, peritos do trabalho, engenheiros, classe empresarial e classes dos trabalhadores. Todos eles podem ter acesso a esse material e tomar medidas setoriais, ou até medidas de ordem coletiva, para que nós venhamos a fazer a prevenção de acidentes', conclui o Desembargador gestor do Trabalho Seguro na 8ª Região.
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