Diagnóstico financiado pelo TRT8 revela perfil e realidade do “peconheiro”

— Foto: ASCOM8

 

Consumido ​​in natura​​ ou em forma de bebidas, doces, ​cosméticos e​ outros produtos, o açaí, fruto nativo da região amazônica, há alguns anos ganhou o mundo​​. Com 154 mil hectares de área plantada, o Pará é o maior produtor nacional​. Só em 2014​, sua exportação injet​ou mais de R$ 225 milhões na economia local. ​Mas, como vive o "peconheiro", trabalhador extrativista que sobe nas árvores para colher a fruta, como são tratados os acidentes de trabalho, e do que vivem estas famílias ao longo do ano?

Estas são algumas perguntas que estão na pesquisa pioneira financiada pelo ​​Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região, através do Programa Trabalho Seguro, ​e executada pelo Instituto Peabiru em parceria com a Fundacentro (Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho)​. O estudo aconteceu na região do Marajó​,  uma das ​principais ​áreas de colheita do fruto nativo, mais especificamente no município de Curralinho​.

​A ideia do diagnóstico é mostrar as peculiaridades da produção​​. “O açaí é uma cultura com cultivo diferenciado, porque a extração se faz em sua grande maioria de forma nativa, nas ilhas, onde não há uma produção industrial das empresas. Assim, a ideia é mostrar o que está envolvido no meio ambiente de trabalho do açaí​. Até porque, se ele está sendo industrializado e exportado, e estas empresas não são donas da terra e não ​possuem empregados que fazem a coleta do fruto, elas não são responsáveis pelo meio ambiente, quer seja no que diz respeito aos impactos ecológicos que estejam havendo nas áreas produtivas, quer seja com relação ao apanhador de açaí”, explica​ ​o Desembargador do Trabalho Walter Paro, Gestor do Programa Trabalho Seguro no TRT8.

​O Instituto Peabiru utilizou uma metodologia que envolve os atores locais​ em todo o processo​, como instituições públicas e movimentos sociais que atuam na região e que tenham relação com o universo pesquisado. Assim, conforme explica o sociólogo Manoel Potiguar, ​​Gerente de Projetos do Instituto, foram realizadas algumas reuniões prévias ​e​ visitas a campo para visualizar a prática da extração do açaí​. Um​a forma de valorizar os dados qualitativos​.​ ​

Aplicados a 72 extrativistas que atuam nas comunidades distribuídas na extensão do Rio Canaticu, em Curralinho-PA, os questionários traziam 50 perguntas, subdivididas em perfil do extrativista, composição de renda, relação da família com o trabalho e uma parte final sobre acidentes na atividade do “peconheiro” (como se chama a pessoa que apanha açaí no cacho, utilizando a “peconha” - utensílio artesanal utilizado nos pés para subir nas palmeiras de açaí). “Quisemos entender estes aspectos de quem é este 'peconheiro', qual a produção dele além do açaí, quanto o fruto representa na renda da família, a importância desta atividade, qual o trabalho de toda a família​,​ incluindo as crianças​,​ e quais os tipos de acidentes que eles costumam sofrer”, ressalta Manoel Potiguar.

O questionário foi montado em conjunto entre o Instituto Peabiru e a Fundacentro, e​,​ antes de sua ​finalização​,​ foi realizado um alinhamento, onde os envolvidos puderam opinar e ​fazer ajustes. A aplicação ​foi realizada ao longo de duas semanas por jovens moradores das comunidades do Rio Canaticu, que ​também ​participaram da afinação dos questionários e que conhecem a realidade local. “Já fizemos a tabulação e agora os dados estão em análise entre nós e a Fundacentro. Nossa perspectiva é que​,​ até a segunda quinzena do mês de março​,​ o diagnóstico esteja pronto para publicação”, afirma Potiguar.

Para o Desembargador Walter Paro​,​ este diagnóstico trará questionamentos​,​ mais do que uma simples conclusão sobre o tema. “Queremos levar para a sociedade estes questionamentos de modo que os mais diversos setores possam respondê-los e até gerar novos questionamentos. É importante salientar que este trabalho é de interesse da ​J​ustiça, mas também do Ministério Público do Trabalho e Superintendência Regional do Trabalho e Emprego​. Além disso, nossa ideia é levá-lo para as universidades​,​ para que possam gerar estudos não só na área do direito, mas da antropologia, psicologia, entre outras. Queremos que o açaí continue sendo o que é, esteja no prato de todos os paraenses, que possa ser exportado, que possa ser um produto que agregue valor, mas não queremos que o açaí seja fruto de uma exclusiva produção industrial, sem que haja agregação de valor para o trabalhador que faz seu cultivo e colhei​t​a”, declarou.

Acidentes em números

Manoel Potiguar​ afirma que não há estatísticas sobre os acidentes de trabalho ocorridos na atividade do “peconheiro” e esse diagnóstico levantará o debate, mostrando que esta atividade profissional existe e precisa ter a assistência necessária. “O que tem hoje de regra para trabalhador rural não se aplica a esta categoria, pois estamos falando de extrativista. O trabalho do extrativista é em outra ordem e ele está mais sujeito ​à​s intempéries da natureza do que o agricultor”, afirma.

No contato com os extrativistas ​a equipe de pesquisadores percebeu que o conceito de acidente de trabalho para eles é reduzido, só sendo considerado como acidente os casos mais graves, que levam ao afastamento prolongado do trabalho, como fratura​s​ exposta​s​. Para ampliar o entendimento deles sobre o tema, uma equipe da Fundacentro esteve em Curralinho e esclareceu o que pode ser considerado acidente de trabalho.

Entre os dados tabulados dos questionários, ​já ​foi possível verificar que 70% dos acidentes sofridos na colheita do açaí são tratados no próprio local, através das benzedeiras, puxadores e tratamentos caseiros. Dos 20% restantes, apenas 9% chegam aos hospitais de Belém. “Para nós, este era o dado mais esperado deste diagnóstico, pois todos os entrevistados eram unânimes em afirmar que todos os acidentes são tratados no local e que só se manda para Belém, em casos muito graves”, declarou Potiguar.

Diante destes e outros dados que serão apresentados no diagnóstico, será possível pensar e implementar formas de reduzir os casos de acidente. “Foram pensadas algumas estratégias para minimizar os riscos e essas experimentações ​que ​eles estão predispostos a fazer. Isso é um passo pós-diagnóstico. O desafio principal que o Tribunal está trazendo para nós, e é uma bandeira dos extrativistas, é tirá-los da invisibilidade e mostrar que o trabalho deles faz diferença”, ​conclui o ​Gerente de Projetos do Instituto. 

Veja fotos da realização do diagnóstico aqui.