Nexo de causalidade, prova e dano foram temas abordados em palestra sobre “Responsabilidade Civil nas Relações de Trabalho”

— Foto: ASCOM8

 

Nesta quinta-feira (17), abrindo o 2º evento do Ciclo de Encontros 2016 – Amazônia Meio Ambiente de Trabalho, promovido pela Escola Judicial do TRT8 em parceria com o Programa Trabalho Seguro, o tema debatido foi “Responsabilidade Civil nas Relações de Trabalho”, com a Desembargadora do Trabalho Pastora do Socorro Teixeira Leal, Doutora em Direito pela PUC/SP. Confira abaixo a entrevista realizada com a palestrante sobre o tema:

ASCOM8: Como ​​avalia a importância da confirmação do nexo de causalidade quando se fala em responsabilidade civil nas relações de trabalho?

Des. Pastora Leal: O filtro mais difícil da responsabilidade civil é o chamado nexo de causalidade, que é o que vai ligar o suposto agente responsável ao resultado danoso. Não se pode imputar, por exemplo, o nexo causal da queda de uma árvore no meio da floresta a alguém, mas se pode imputar a queda de uma árvore, mesmo que seja por um evento de chuva, na cidade. Vai se discutir se havia o dever de alguém de preservar e o qu​ê​ aconteceu. Fazer essa identificação, especialmente no meio ambiente de trabalho, entre uma patologia e a atividade do trabalhador, é muito complexo. 
Muitas das vezes​,​se coloca que 'a doença é degenerativa, portanto não houve causalidade', mas isso não pode ser levado aos extremos porque​,​apesar da doença degenerativa​,​existe toda uma ambientação de trabalho que agrava aquela situação. Então, as teorias da causalidade clássicas não resolvem o problema, elas não dão resposta para isso, porque há uma multicausalidade e, às vezes, se espera do perito ou do juiz que diga 'a causa é essa'. Não tem como dizer que uma doença que se rotule como degenerativa não tenha nada a ver com o trabalho executado pela pessoa.

ASCOM8: Considerando esta dificuldade de se identificar o nexo de causalidade, como isso impacta diretamente na atuação dos magistrados?

Des. Pastora Leal: Torna mais difícil não só para o magistrado, que é quem dá a decisão em último grau, como para todas as outras pessoas envolvidas, especialmente para o perito. Porque se coloca nas mãos deles um problema muito difícil, para o qual a ciência ainda é muito limita ​da​. Se a ciência não tem um instrumento para medir algo, aquele algo é inexistente e irrelevante. Se eu não posso medir dor, dor não existe. Tudo aquilo que não posso quantificar, que não posso dosar ou que não tenho instrumentos para fazer, ​é descartado, quando na verdade existe, apenas os limites do conhecimento ainda não alcançaram aquela possibilidade. Como ocorreu​,​ por exemplo​,​ com o amianto e o câncer do pulmão​; onde passaram-se mais de 30 anos para que se identificasse um nexo de causalidade. Então, é uma doença insidiosa que ela não vai acontecer de pronto, 
o evento ​foi ​ontem e hoje já estou acometido. Até pela natureza humana, é sempre mais “fácil” ir pelo lado mais cômodo, pelo lado do que é o lugar-comum, que é dizer que o nexo não existe. É mais fácil dizer não tem, não há conexão, do que demonstrar uma conexão, embora a não conexão devesse ser provada e devesse ser excluída 100% aquela possibilidade. 

ASCOM8: Qual a sua avaliação cr​í​tica sobre a prova e quem a produz?

Des. Pastora Leal: Já pensava ​há muito tempo isso e hoje repassei essa informação, inclusive abonada por outros teóricos como Souto Maior, que entendem que a organização empresarial tem o dever de documentar, o dever da documentação daquela relação de trabalho n​a​ qual a vida, a saúde, a integridade física e psíquica do trabalhador está nas mãos do empreendimento econômico. Há uma série de deveres e​,​ dentre estes deveres​,​
está observar e dar cumprimento as normas regulamentadoras da saúde, da segurança e da higidez no trabalho. Ele que tem de trazer o PPRA, o PCMSO, e não é só trazer, mas demonstrar que eles estão feitos de acordo com a legislação, documentar que o EPI realmente atende as necessidades, demonstrar também que forneceu, que fiscalizou. A questão aqui​,​ muito mais do que ônus da prova​,​é o dever de documentar. Ônus da prova é quando não há esse dever de documentar, é quando nós não sabemos efetivamente quem deveria trazer o elemento, mas nós sabemos quem tem que trazer. 

ASCOM8: O dano em si é um fato gerador para garantir a reparação?

Des. Pastora Leal: Todos que pensam em dano, pensam no prejuízo que ofende a minha esfera jurídica, a minha esfera pessoal​.​ Ele é efetivamente isso, mas nem todo dano é ressarcível, nem todo dano é passível de se responsabilizar uma outra pessoa pelas suas consequências. Então​,​ se faz uma separação entre dano de dano injusto. Dano injusto seria aquele que a pessoa não tem que suportar sozinha suas consequências, mas existe o dano que se pode chamar de justo, por que quem tem que suportar é a vítima. Imagine o caso de uma pessoa que está com uma doença muito grave e tem que amputar o braço, teve dano, mas posso dizer que o responsável é o médico ou o hospital? Não. Precisava que aquele braço fosse amputado para manter a vida do paciente. Ou seja, ele ostenta um dano ​à​ sua integridade física, mas é um dano reconhecido pelo ordenamento jurídico como valioso para preservar outros bens jurídicos. Ao passo que, o dano injusto não​;​ ocorre quando esse braço foi amputado porqu​e​ uma máquina na empresa o decepou e​,​por conta disso​,​
teve o membro amputado. É o mesmo evento com olhares distintos. 

O dano tem que ter esta perspectiva e não são só os danos materiais, existem danos de conduta que são repreensíveis, como as práticas abusivas, que estão dentro do chamado exercício irregular de direito. Quando eu não cumpro com as normas de segurança, de integridade, de higidez, estou violando o ordenamento jurídico e essa minha prática violadora já é o próprio dano, como ocorre no código do consumidor, com as práticas abusivas que são também desleais, por que os outros estão cumprindo e eu não estou, e ainda me beneficiando com o não cumprimento.

 

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