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No seu dia, muitas perambulam pelas ruas em busca da sobrevivência
Ser criança não é fácil. É uma conquista, principalmente para muitas crianças e adolescentes que precisam trabalhar. Neste Dia da Criança, muitos meninos e meninas vão continuar pelas ruas da Grande Belém “trabalhando” na venda dos mais variados produtos nos semáforos, calçadas e feiras, durante o dia ou à noite. Eles precisam ajudar no sustento das famílias, mas acabam perdendo a infância e as perspectivas de um emprego digno e da construção de familias saudáveis e de cidadãos plenos no futuro.
Trabalho infantil, no Brasil, é o realizado por pessoas com idade inferior a 16 anos. Trata-se de um ilícito, apenas, por não estar tipificado no Código Penal, possibilidade que ainda tramita no Senado Federal por meio do projeto de lei número 237 de 2016.
Segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio de 2015, divulgada em junho deste ano), embora tenha reduzido o índice de trabalho infantil em 25%, o Pará ainda registra 168.421 trabalhadores considerados infantis, com maior concentração entre os 15 e os 17 anos (141.473 mil), faixa etária na qual também se registra o maior índice de evasão escolar, com reflexos na elevação da taxa de violência envolvendo esse mesmo público.
Há três anos a Comissão de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região - na qual atuam a juíza Vanilza Malcher e a desembargadora Maria Zuíla Dutra - desenvolve campanha contra o trabalho infantil durante a festividade do Círio de Nazaré, com apoio da Arquidiocese de Belém. Em 2015, uma pesquisa da comissão junto a 216.518 alunos em 32 municípios do Pará constatou que 25,5% eram vendedores ambulantes, atuavam em roça e na construção civil, catando lixo e no trabalho doméstico.
O problema se perpetua pela falta de oportunidades de desenvolvimento. Os pais flagrados são advertidos pelo Conselho Tutelar e as famílias podem ser levadas ao Ministério Público para assinatura de termo de ajuste de conduta, sob pena de multa. “Esse abrandamento tem levado à persistência de muitas situações de trabalho infantil”, assinala a juíza.
Famílias e professores podem orientar sobre os riscos do trabalho infantil, diz a professora da Universidade Federal do Pará (UFPA), Danila Cal, para quem o trabalho infantil doméstico assume diferentes formas, dependendo do local e da classe social de quem contrata e pode ocorrer na própria casa da criança. Abrange meninas do interior que vêm trabalhar em casas de família de Belém e acabam assumindo responsabilidades que substituem a proposta de “ajuda mútua”. Autora do livro “Comunicação e Trabalho Infantil Doméstico: política, poder, resistências”, Danila diz que a situação é motivada pela falta de creches e de educação e pontua que o assunto deve ser encarado como uma questão política.
Denúncias sobre trabalho infantil podem ser feitas pelo Disque 100, pelo aplicativo SimVida do TRT8 e junto aos órgãos de fiscalização e apoio à infância (MPT, SRT e conselhos tutelares).
Leia a entrevista completa com a Comissão do Combate ao Trabalho Infantil e Estímulo à aprendizagem do TRT8.
Desde quando e como é desenvolvida a campanha de prevenção e combate ao trabalho infantil por iniciativa do TRT-8?
Como surgiu essa campanha, o que a motivou?
Pelo terceiro ano consecutivo, a Comissão de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem do TRT da 8ª Região vem desenvolvendo forte campanha contra o trabalho infantil durante a festividade do Círio de Nazaré, com participação em 9 (nove) de suas 12 Romarias oficiais, no que temos o apoio da Arquidiocese de Belém, Basílica Santuário e Diretoria da Festa de Nazaré. Neste ano, estamos conclamando a sociedade a fazer conosco a oração "Maria, Estrela da Evangelização, conduz as crianças e os adolescentes ao caminho do pleno desenvolvimento e da educação!"
Trata-se de oração que se coaduna com o tema do Círio 2017 e com os objetivos de trabalho traçados pela Comissão do TRT8 para o ano em curso, que se voltam ao desenvolvimento pleno das crianças e dos adolescentes como forma de realização de seus sonhos e de transformação de suas realidades de vida, com reflexos para toda sociedade.
- Quais os principais resultados obtidos até agora com a campanha?
Até agora, já participamos de seis Romarias (Traslado para Ananindeua, Romaria Rodoviária, Romaria Fluvial, Moto Romaria, Trasladação e Círio), com a participação efetiva de mais de 150 parceiros, entre os quais instituições públicas, entidades de classes, empresas, universidades, escolas públicas, paróquias, entidades de proteção à infância, comunidades de bairros e de condomínios; envolvendo de forma direta mais de 20 mil pessoas, que levaram a mensagem da campanha às ruas de Belém e Ananindeua, no sentido de conscientizar a sociedade a investir no desenvolvimento pleno das crianças e dos adolescentes, nos aspectos pessoal, educacional, cultura e profissional, como forma de termos uma sociedade mais desenvolvida, menos violenta, mais justa e solidária.
- O que caracteriza, em poucas linhas, o trabalho infantil? Esse tipo de atividade é crime, de acordo com que lei?
Trabalho infantil, no Brasil, é o realizado por crianças e adolescentes com idade inferior a 16 (dezesseis) anos, exceto se o trabalho for realizado na condição de aprendiz, porém a partir de 14 (catorze) anos. Considera-se, também, trabalho infantil o realizado por pessoa menor de 18 anos de idade, nos termos da Convenção Internacional nº 182 da OIT e do Decreto nº 6.481/2008.
O trabalho infantil constitui-se em um ilícito, mas precisamente não é considerado crime, pois não tipificado no Código Penal ; estando em trâmite no Senado Federal projeto de lei (PLS 237/2016) que modifica o Código Penal (Decreto-Lei 2.848/1940) para tipificar o crime de exploração de trabalho infantil. Pelo projeto, é considerado crime “explorar, de qualquer forma, ou contratar, ainda que indiretamente, o trabalho de menor de 14 anos”, com a fixação da pena em “reclusão de dois a quatro anos, mais multa”; já havendo parecer favorável da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) daquela casa.
- O trabalho infantil ainda é muito presente em Belém e em municípios do Estado e do País? Pode dar exemplos comuns de trabalho infantil na RMB? Pode fornecer algum quantitativo de de casos identificados na RMB?
Segundo pesquisa do IBGE-PNAD (2015), divulgada em junho/2017, embora tenha havido redução no índice de trabalho infantil em 25%, o Estado do Pará ainda registra 168.421 trabalhadores considerados infantis, com maior concentração entre os adolescentes de 15 a 17 anos (141.473 mil), faixa etária na qual também se registra o maior índice de abandono ou evasão escolar, com reflexos na elevação da taxa de violência envolvendo esse mesmo público.
Em 2015, a Comissão do TRT8 realizou pesquisa junto a216.518 alunos em 32 municípios do estado do Pará, chegando ao preocupante resultado de que 25,5% dos alunos encontram-se na condição de trabalhadores infantis, desenvolvendo as mais diversas atividades (ambulante, bico, roça, construção civil, catando lixo), com destaque, porém, ao trabalho infantil doméstico, que ainda representa a maior incidência.
- Você observa que cresceu casos desse tipo no Brasil e em Belém e no Estado como um todo? Consequência da crise econômica e política no País?
Os números que temos, hoje, referem-se a dados coletados no ano de 2015 - tanto os do IBGE quanto os obtidos por nossa Comissão junto a alunos de escolas públicas; portanto, só poderemos falar sobre os reflexos da crise política e econômica do país no trabalho infantil, a partir da divulgação da próxima pesquisa do IBGE. Porém, o que esperamos é que, em razão do forte trabalho de conscientização da sociedade, que vem sendo realizado por diversos órgãos que atuam na área de proteção da infância, e da abertura de novas oportunidades às crianças e aos adolescentes, possamos obter resultados positivos, apesar da crise, com redução no índice de trabalho infantil, como revelou o IBGE, a partir de dados de 2013 para 2105.
- Quais as principais causas do trabalho infantil que você constata no universo da Grande Belém?
Falta de oportunidades de desenvolvimento pleno para as crianças e os adolescentes, situação ainda muito decorrente da falsa crença da sociedade em geral e das famílias de que “é melhor trabalhar do roubar” e “é melhor trabalhar do que ficar na rua”. Com isso, não se permite o rompimento do ciclo de pobreza ao qual são submetidos nossos meninos e meninas, que são fadados a permanecerem sem qualquer perspectiva de melhoria de vida, abandonam precocemente a escola e são colocados em situação de extrema vulnerabilidade social, que desemboca no que temos hoje, um elevado índice de pobreza e de violência envolvendo adolescentes e jovens, o que a todos assusta.
- Os pais ou responsáveis por crianças flagradas em situação de trabalho infantil podem ser presas ou sofrer alguma punição com base na legislação vigente?
Prisão não há, por não se tratar de crime, como já dito acima. Apenas os pais são advertidos pelo Conselho Tutelar, as famílias são acompanhadas pelos CRAES E CREAS e, persistindo a situação, são levadas ao Ministério Público para fins de assinatura de Termo de Ajuste de Conduta, sob pena de multa. Esse abrandamento tem levado à persistência de muitas situações de trabalho infantil, infelizmente.
- A quem cabe fiscalizar a infração do trabalho infantil? Como se pode denunciar casos dessa natureza?
A priori, a fiscalização deve ser de toda sociedade que, juntamente com as crianças, é atingida pelo trabalho infantil, em razão de suas consequências nefastas, em especial com o elevado índice de violência, que hoje coloca nossa capital como a 2ª cidade mais violenta do Brasil e 11ª mais violenta do mundo. As denúncias podem ser feitas pelo disque “100”, pelo aplicativo “SimVida” do TRT8 e junto aos órgãos de fiscalização e apoio à infância (MPT, SRT e Conselhos Tutelares).
- As escolas públicas e particulares acabam sendo frentes importantes nesse processo de prevenção e combate ao trabalho infantil?
Escolas em tempo integral e de qualidade seriam uma relevante política pública para erradicar o trabalho infantil. Mas também é importante que os professores tenham consciência dos males do trabalho infantil pelo relevante papel que possuem no apoio aos alunos e na identificação daqueles que estão sendo silenciosamente explorados no trabalho precoce, de modo que possam também ajudar na orientação dos pais.
- Qual a orientação que você dá aos pais sobre a prevenção ao trabalho infantil? Quais as implicações do trabalho infantil para a vida de uma criança e um adolescente?
A orientação aos pais é no sentido de fazer todo o esforço para manter as crianças na escola e possibilitar que elas convivam e brinquem com outras crianças, por serem os ambientes adequados para que desenvolvam suas potencialidades e possam se preparar adequadamente para a vida profissional e sonhar com um futuro digno, pois o trabalho infantil não somente perpetua a pobreza como também coloca as crianças e os adolescentes diante de riscos de todas as formas: à saúde, a acidentes de trabalho, a envolvimento com drogas, a estupros e até mesmo de morte, como tem ocorrido em muitos casos.
Gestoras Regionais do Programa de Combate ao Trabalho Infantil do TRT da 8ª Região
MARIA ZUÍLA DUTRA
Desembargadora do Trabalho
VANILZA MALCHER
Juíza do Trabalho
FONTE: O LIBERAL e TRT8