Seminário do TRT-8 debate o combate ao trabalho escravo contemporâneo

Evento marcou o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, 28 de janeiro, debatendo as ações e questões contemporâneas.
Descrição de imagem: Fotografia em ambiente fechado. Centralizadas, estão sete pessoas sentadas no palco do auditório do TRT-8.
Descrição de imagem: Fotografia em ambiente fechado. Centralizadas, estão sete pessoas sentadas no palco do auditório do TRT-8.

O Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (Pará e Amapá) realizou na última terça-feira, 28, Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, um seminário voltado a esta temática, com a presença de representantes de diversas entidades ligadas a esta luta pela dignidade humana. O encontro destacou ações, números, legislações e casos relevantes para se compreender o panorama do trabalho escravo contemporâneo. A mesa de abertura teve como anfitriã a presidente do TRT-8, desembargadora Sulamir Palmeira Monassa de Almeida, e na plateia, a presença dos desembargadores Maria Valquíria Norat, vice-presidente do TRT-8, Raimundo Itamar Júnior, diretor da Ejud-8, e Paulo Isan Coimbra Júnior, membro do Comitê Gestor Nacional do Programa Trabalho Seguro.

“Estamos aqui não apenas para lembrar um capítulo sombrio da nossa história, mas para reafirmar nosso compromisso com a dignidade, a justiça e os direitos humanos. A escravidão deixou marcas profundas em nossa história e sociedade, e embora tenhamos avançado, ainda enfrentamos desafios que exigem nossa atenção e ação. Esse é nosso papel aqui na Justiça do Trabalho, não somos apenas julgadores, somos integrantes de uma sociedade que ainda sente os impactos desse momento histórico”, declarou a presidente do TRT-8 durante a abertura do Seminário.

A procuradora-chefe do Ministério Público do Trabalho no Pará e Amapá (MPT PA-AP), Rejane de Barros Meireles Alves, destacou durante a mesa de abertura a escolha do tema do Seminário: “Lembrando o passado para construirmos um futuro melhor”. “Nós havemos de reconhecer que ao longo dos últimos anos, especialmente nas últimas duas ou três décadas, algum avanço houve [no combate ao trabalho escravo], no entanto, entre esse passado que nós precisamos lembrar e esse futuro que nós precisamos construir melhor, nós estamos no presente e a gente não pode deixar de destacar que nesse momento, na sociedade brasileira, o trabalho escravo ainda floresce”, apontou.

Por fim, a procuradora-chefe destacou a  importância de ações concretas: “Eu espero que a gente possa ter esse momento [de Seminário] de grande reflexão, de grande aprendizado, e que a gente possa verdadeiramente colocar em prática ações concretas que consagrem o nosso compromisso constitucional de combater o trabalho escravo e de levar a todos os cidadãos, trabalhadores e trabalhadoras brasileiras a dignidade humana”. 

Na mesa de abertura também estiveram presentes os desembargadores Suzy Elizabeth Koury e Francisco Sérgio Silva Rocha, coordenadores do Comitê Regional do Programa Nacional de Enfrentamento ao Trabalho Escravo e ao Tráfico de Pessoas e de Proteção ao Trabalho do Migrante; a Dra. Valena Jacob, diretora da Associação Brasileira da Advocacia Trabalhista (ABRAT) e coordenadora da Clínica de Combate ao Trabalho Escravo da UFPA; a Dra. Natália Bentes, coordenadora da Clínica de Direitos Humanos do Cesupa; e o Dr. Sávio Barreto, presidente da OAB Seção Pará.

“Eu gostaria de reforçar aqui não só o papel da OAB na defesa dos direitos humanos, no combate ao trabalho escravo, mas a necessidade da OAB, junto com as demais instituições, de definir claramente seu papel dentro dessa rede de proteção. Um evento como esse, ao meu ver, é muito mais do que um evento para dar conhecimento ao público, mas onde as instituições podem interagir e definir seus papéis. Eu tenho debates muito longos com a Comissão de Direitos Humanos e a Comissão de Combate ao Trabalho Escravo [da OAB] - que será empossada hoje [28 de janeiro] pelo Dr. Prudêncio Neto -, a respeito de como a OAB pode participar dessa rede. A OAB tem um elemento importante dentro dessa rede de proteção, que é a voz da sociedade civil”, acrescentou Sávio Barreto, encerrando a conferência de abertura.
 

UNINDO FORÇAS

Durante o Seminário, outros diversos representantes de entidades envolvidas no combate ao trabalho escravo e assistência às vítimas tiveram a oportunidade de apresentar suas ações e se conectarem com outros gestores. Também houve a oportunidade para apresentar projetos, pesquisas e ferramentas atuais. A primeira a assumir a tribuna nesta etapa do encontro foi a procuradora do MPT Silvia Silva, que expôs como a entidade atua na linha de frente, resgatando trabalhadores de condições análogas à escravidão.

“Importante frisar que não é uma mera irregularidade trabalhista, o trabalho escravo é uma grave violação aos direitos humanos dos trabalhadores”, destacou a procuradora. “Quando nós falamos hoje de trabalho análogo ao de escravo é o trabalho escravo contemporâneo, onde a fiscalização encontra um trabalhador a quem é negado água potável, falta condições sanitárias, se alimenta com comida estragada”, exemplifica.

Ainda segundo Silvia Silva, o Pará já figurou entre os estados onde mais se encontra trabalhadores em condições análogas à escravidão, seja na exploração em si ou no aliciamento para ser levado para outro estado. Em um novo projeto nacional, o MPT passará a atuar diretamente sobre as cadeias produtivas mais predatórias em cada estado. No Pará, será a cadeia da pecuária, que, “altamente lucrativa, explora trabalhadores de uma forma absurda, negando direitos mínimos”, pontua a procuradora.

E as cidades selecionadas foram São Félix do Xingu, Xinguara, Ulianópolis, Dom Eliseu, Rondon do Pará, Marabá e Redenção, onde tiveram os maiores números de trabalhadores resgatados ou arregimentados. “Hoje existe um cadastro de empregadores flagrados. Agora em janeiro foi publicado o novo cadastro e para nossa surpresa - e indignação - na lista anterior tínhamos 240 nomes, o que já era absurdo, e hoje nós temos 713 nomes. Praticamente triplicou o número de empregadores”, lamentou.

Entre outras medidas que precisam ser tomadas imediatamente, a procuradora destacou a necessidade da responsabilização criminal desses empregadores e seus associados, algo raríssimo no Brasil. “Eu tenho 14 anos de Ministério Público do Trabalho, todos os meus relatórios envio para o MPF, para fins de responsabilização criminal. Eu fui chamada duas vezes apenas para ser ouvida como testemunha em processo criminal”, destacou. “Nós pegamos vários trabalhadores crianças e adolescentes em fiscalizações. Veja, crianças e adolescentes que estão trabalhando ali porque suas famílias precisam, elas são exploradas por necessidade. Os empregadores não. Eles estão explorando porque a mão de obra é mais barata, porque o lucro vai ser maior. Eles precisam ser responsabilizados”.
 

Dentro desse campo das responsabilizações, o Seminário contou com a participação do servidor do TRT-8 Robson Heleno, também pesquisador da Clínica de Combate ao Trabalho Escravo da UFPA, para colocar o público a par sobre as discussões legislativas sobre a expropriação de terras por exploração de trabalho escravo, sem indenização ao dono do imóvel, referindo especialmente à emenda constitucional EC 81/2014. 

O que foi exposto pelo pesquisador foi a morosidade do estado em votar leis cruciais e insistir em proteger os donos de terras ao invés de lutar pela erradicação do trabalho escravo. E que entre as táticas, a mais comum tem sido esvaziar o conceito do que é o trabalho escravo, e criar todo o tipo de empecilhos para que uma criminalização do escravizador de fato ocorra. Desde que a Lei que garantia a expropriação entrou em vigência, em 2024, foram 17.884 trabalhadores resgatados da escravidão, e o total de imóveis expropriados foi zero.

Na tentativa de gerar essa responsabilização dos escravizadores, criou-se a Clínica de Combate ao Trabalho Escravo da UFPA, que também teve seu trabalho apresentado durante o Seminário no TRT-8, por sua coordenadora, a professora Dra. Valena Jacob. “A clínica de trabalho escravo passou a existir formalmente há dois anos, mas há mais de 13 anos vem desenvolvemos atividades de ensino e de pesquisa. Nossa atuação mais conhecida é a atuação jurídica, no atendimento às vítimas de trabalho escravo de forma gratuita”, explicou. 

Pelo convênio com o Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região e o Ministério Público do Trabalho da 8ª Região, a atuação da Clínica sai dos muros do Pará, atuando também no Amapá. “Por lá, nós estamos com processos de um caso no garimpo muito difícil, com trabalhadores venezuelanos, entramos com várias reclamações trabalhistas e estamos junto com o MPT nas ações civis públicas. E estamos também com outro caso de trabalho escravo doméstico. A gente sempre busca atuar em rede. Então a gente atua com pesquisadores da UFRJ, com a clínica da UFMG e da UFMT”, acrescenta.

Em parceria com o TRT-8, a Clínica tem desenvolvido principalmente ações de capacitação, especialmente nas varas trabalhistas de municípios com maior número de casos de trabalhadores escravizados ou arregimentados. “É tão importante essas capacitações, que a partir delas nós tivemos encaminhamento de denúncias de trabalho escravo pelos próprios servidores da Justiça do Trabalho. Teve casos em que o trabalhador chegou para fazer a reclamação trabalhista e acabou sendo identificada toda uma situação de trabalho escravo, que ainda proporcionou o resgate de dezenas de trabalhadores”, reforçou a professora Valena. 

Os desembargadores Suzy Koury e Sérgio Rocha, coordenadores do Comitê Regional do Programa Nacional de Enfrentamento ao Trabalho Escravo e ao Tráfico de Pessoas e de Proteção ao Trabalho do Migrante, organizadores do evento, fizeram um balanço positivo do encontro e das ações apresentadas, como as citadas pela Dra. Valena Jacob. “Nós [a Justiça do Trabalho] somos um elemento fulcral [fundamental] porque se a gente desconsiderar essas denúncias que chegam, vamos inviabilizar esse trabalho. Estou muito orgulhosa, os juízes de 1º Grau estão dando sentenças bem fundamentadas e que tem a sensibilidade de perceber que aquele é um caso de trabalho escravo. Isso orgulha muito o TRT-8 e eu me sinto bem parabenizada por isso”, destacou a Dra. Suzy Koury.

Já o desembargador Sérgio Rocha afirmou que o Seminário teve um ponto bem marcante: “a compreensão que o combate ao trabalho escravo não se dá por essa ou aquela instituição, é preciso a atuação conjunta de várias entidades atuando no mesmo sentido de efetivar essa luta”. E é nesse sentido, segundo ele, que o TRT-8 se coloca como mais um parceiro deste imenso rol de entidades preocupadas com o aprofundamento do trabalho escravo e a necessidade do seu combate permanente. “O projeto para este ano de 2025 é o fortalecimento de parcerias e a realização de ações conjuntas entre as diversas entidades”, finalizou sobre a atuação do Comitê Regional.

 

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Texto: Lais Azevedo/Secom TRT-8

Fotos: Camila Souza/Ascom TRT-8