
Na tarde da última quarta-feira, 29, o Tribunal Regional do Trabalho da 8ª (PA/AP) por meio da Escola de Capacitação e Aperfeiçoamento Itair Silva (Ecaiss) promoveu o curso “Atuação com Perspectiva de Gênero em casos de Assédio em Ambiente Profissional” ministrado pela psicóloga e professora Dra. Bárbara Sordi e pela advogada Natasha Vasconcelos, o evento reuniu servidores(as) que atuam nos Colegiados Temáticos, Comissões de Processo Administrativo Disciplinar, Coordenadoria de Integridade, Núcleo de Controladoria Administrativa e Integridade e Ouvidoria para debater a importância do letramento de perspectiva de gênero e a necessidade de abordagens eficazes na prevenção e enfrentamento ao assédio moral, sexual e discriminação no ambiente de trabalho.
A capacitação trouxe à tona um tema fundamental: o impacto das desigualdades estruturais de gênero na forma como o assédio é percebido, enfrentado e combatido no espaço profissional. Com dados, reflexões e abordagens jurídicas, as especialistas enfatizaram que compreender as dinâmicas de poder e discriminação é essencial para construir ambientes mais justos e igualitários.
Assédio e suas consequências: um problema estrutural
A professora Dra. Bárbara Sordi abriu sua aula destacando os aspectos socioculturais da violência de gênero e os desafios enfrentados pelas mulheres ao denunciarem o assédio. Segundo a pesquisa do CNJ de 2024 apresentada pela psicóloga, em três anos a Justiça do Trabalho julgou mais de 400 mil casos de assédio moral e sexual, 72,1% das ações sobre assédio sexual julgadas desde 2020 foram ajuizadas por mulheres e a faixa etária predominante era de 18 a 29 anos (42,5%) e de 30 a 39 anos (32,6%).
A especialista explicou que isso se dá a partir de uma de criação de diferenciação entre homens e mulheres e da construção social da masculinidade que muitas vezes confere aos homens uma sensação de poder sobre as mulheres, tornando o assédio um comportamento naturalizado em diversos espaços.
“Esse lugar que nós[mulheres] somos colocadas de ter que cuidar… como se fosse algo intrínseco dentro de nós, que a gente está maternando, vamos dizer assim, exercendo essa função, mas para os homens é eficiência, é eficácia. Essa eficácia masculina, que vem para o trabalho e para a habilidade. Então, os homens teriam uma marca identitária, voltada ao sucesso profissional, ao reconhecimento profissional, a esse labor, à sexualidade, à virilidade.”
A psicóloga pontuou sobre os impactos psicológicos: "O assédio pode ser um desorganizador psíquico. Quem sofre esse tipo de violência pode sentir medo, vergonha, baixa autoestima e apresentar um rendimento reduzido no trabalho. Além disso, pode desenvolver sintomas psicopatológicos, impactando suas relações interpessoais, aumentando o número de faltas e comprometendo o desempenho profissional. Isso não afeta apenas a vítima, mas também o ambiente institucional como um todo."
Ela também destacou que a perspectiva de gênero influencia diretamente a forma como o assédio é percebido e enfrentado pelas vítimas, reforçando a necessidade de um olhar atento para evitar culpabilizações indevidas: "Compreender o assédio sob a ótica da violência de gênero permite nomear a situação e lidar com ela de forma adequada. Isso significa não apenas reconhecer o problema, mas também atuar de maneira efetiva para garantir acolhimento e justiça, sem responsabilizar a vítima."
Marco jurídico e a Perspectiva de Gênero na aplicação da legislação
A advogada Natasha Vasconcelos trouxe a abordagem jurídica para o debate, apresentando a Resolução 351/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que estabelece diretrizes para a prevenção e o enfrentamento do assédio moral, sexual e discriminação no âmbito do Judiciário.
Ao abordar a Perspectiva de Gênero na aplicação da legislação, Natasha ressaltou que a Resolução 492 do CNJ, de 2023, representa um avanço significativo ao convidar magistrados(as) e servidores(as) a enxergarem as desigualdades de gênero nos processos judiciais:
"A Perspectiva de Gênero não é apenas uma diretriz, mas um convite à reflexão. Ela nos faz olhar para como as desigualdades impactam homens, mulheres, crianças, pessoas negras e pessoas com deficiência de maneiras diversas. Esse olhar é essencial para garantir que não haja simetria apenas formal, mas substancial, no acesso à justiça."
Além disso, a advogada destacou que, apesar dos avanços legislativos, ainda existem lacunas importantes na legislação brasileira para o enfrentamento do assédio. No entanto, a Lei 14.450/2023, que institui um programa de prevenção e combate ao assédio sexual, representa um passo importante ao integrar entendimentos baseados em normas internacionais, como a Convenção 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
"Estamos falando de normativas recentes, que precisam ser amplamente divulgadas e estudadas. A Convenção 190 da OIT ainda não foi ratificada pelo Brasil, mas sua adoção poderá representar um avanço crucial na tipificação do assédio e no combate à discriminação no ambiente de trabalho."
Importância do letramento de gênero e da atuação institucional
O curso reforçou que o enfrentamento ao assédio exige um compromisso institucional com políticas eficazes de prevenção e acolhimento. Além de capacitar servidores(as), é essencial criar canais seguros para denúncia e mecanismos que assegurem a responsabilização dos agressores.
Ao final do curso, os participantes destacaram a relevância da iniciativa e a necessidade de promover mais espaços de debate e formação sobre o tema. A Justiça do Trabalho da 8ª Região (PA/AP) reafirma, assim, seu compromisso com a promoção da igualdade de gênero, a erradicação do assédio e a construção de um ambiente de trabalho mais seguro e respeitoso para todas as pessoas.
Confira aqui as fotos.